plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Encontros
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Não acabou ainda. Mas agora já consigo dizer para mim mesma: falta pouco. Quando a pandemia começou, pensávamos em duas semanas, um mês, três meses, tá, vai lá, de um ano, não vai passar. E cá estamos a fechar quase dois. Perdemos e não foi pouco. Perdemos mais de 600 mil pessoas no Brasil. Perdemos muito da nossa humanidade. Cansamos. Sofremos com o abandono. Pior. Fomos atirados à cova dos leões por um governo anticiência. Antivida. Sobrevivemos por nossa conta, pela nossa gana. Quem pôde se trancou em casa. Quem não pôde, deu o seu jeito de se cuidar. Caminhamos no meio da escuridão sem lume e com pistas falsas: tratamento precoce, kit Covid e outras falácias. Nosso líder, o único líder do G20 a não tomar a vacina, a negar a única saída de emergência para fora da pandemia. Parece inacreditável que vivemos (e sobrevivemos) a tudo isso (que está aí).

DESENCONTROS

Sobrevivemos, mas guardamos lutos, cicatrizes, sequelas, fobias, ansiedades. Quem menos perdeu ainda perdeu algo muito precioso: tempo compartilhado com as suas pessoinhas. Foram quase dois anos de ausências. De lacuna. De hiato. De medo de encontrar pessoas. De vida restrita à casa e aos de casa. Agora, vou me emocionando cada vez que vejo a vida voltando um pouquinho mais ao normal. Agora, também acho que já podemos avaliar o que nos fez falta nos tempos de isolamento. A falta que nos fizeram os encontros. Aquilo que foi difícil de simular com a mediação tecnológica. Sim, ainda precisaremos de distanciamento e máscaras por um tempo. Ainda falta um pouquinho para o bloquinho de Carnaval, a plateia de um show, um estádio lotado. Um pouco mais para ver os sorrisos e acompanhar o percurso das palavras achando seus lugares no mundo.

REENCONTROS

Para avaliar esse tempo árido da nossa história, considerando as amenidades, posso dizer que senti falta daquilo que o cotidiano compartilhado nos permite perceber. Daquilo que está inscrito nas relações do sintagma da vida: de acompanhar as roupas que as pessoas gostam de usar a cada dia da semana, de reparar no corte novo no cabelo de alguém. Das conversas paralelas, de encontros no corredor que nenhum "Meet" deu conta de substituir. 

De chegar e abraçar. De perguntar como vai a família, teu pai, tua mãe. Saber dos gatos, dos cachorros. E se a pessoa não teve uma boa noite de sono. Convidar para um café para ajudar. Hoje, nos reencontros ainda desajeitados e possíveis com máscaras, ao ar livre, distantes - vejo as linhas do tempo que não compartilhamos. Sinto muito, mas, especialmente, celebro aquilo que temos pela frente.

Casamentos
Eni Celidonio
Professora universitária

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Um amigo lá do Rio de janeiro, o Oscar, sempre dizia que parente é imposição biológica, amigo, ao contrário, a gente escolhe. Eu ficava muito incomodada com essa ideia, afinal, sempre fui criada numa família que se ligava aos parentes, que valorizava as relações de sangue. Mas tenho que admitir que o Oscar tinha uma certa razão.

Nesses dois sábados fui a dois casamentos que eram para ser realizados no ano passado, mas a pandemia não deixou. O primeiro foi em Salvador, o segundo aqui mesmo em Santa Maria. Em Salvador, encontramos sobrinhos e sobrinhos-netos, uma verdadeira festa, apesar de durar dois dias somente. Nossa sobrinha-neta, Gabriela, casou com um rapaz de família baiana e, como a família dela está espalhada entre Rio, São Paulo e Minas Gerais, resolveu casar em Salvador, na Capela de Nossa senhora da Vitória, perto da casa dos pais do noivo, no Corredor da Vitória.

A gente nem se refez do casamento da Gabi, e lá veio o casamento da Sophia, filha de nossos vizinhos/amigos/médicos. E é exatamente aí que eu explico que o pensamento do Oscar se mostra coerente. Conheci Sophia com um aninho, no carrinho pegando sol no prédio. Assim que ela começou a caminhar, ela descia as escadas e dava umas batidinhas na porta da minha casa para brincar com a Renata. E, assim, ela foi vindo aqui para brincar, e eu acompanhei o crescimento dela até que a Renata foi embora para Porto Alegre. Resumindo, além de conviver com ela aqui em casa, participei das festas de 15 anos e de formatura; por fim, do casamento dela no sábado.

Confesso que me emocionei mais no casamento da Sophia do que no casamento da Gabriela. Eu olhava para aquela noiva linda e via uma menininha caminhando com dificuldade pela minha casa, passava um filme na minha cabeça. Coisa mais doida, como a gente pode se emocionar mais com o casamento de uma vizinha do que com o casamento de uma sobrinha-neta? Será que só eu tenho um exemplo desse? Eu amo a minha família, meus sobrinhos e sobrinhos-netos, mas o que posso fazer se alguém que não é minha parente casa e eu me emociono tanto?

Ao fim e ao cabo, numa época em que há tanto desacordo e polaridade, ver que os jovens continuam acreditando numa vida a dois é o que consola a gente, faz a gente pensar que esse mundo maluco ainda tem conserto, apesar dos pesares. É como maternidade, a gente sempre faz as coisas pensando em acertar.

Eu desejo, sinceramente, que esses casais todos, esses noivos que resolveram dividir a vida com outra pessoa, sejam felizes e façam desse mundo um mundo bem melhor. E sinto muito, mas o Oscar tem razão: amigos a gente escolhe e eu sou testemunha da veracidade disso. Por quê? Sei lá, não sei, só sei que foi assim...

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